[Contexto] Tite

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por Francisco Geovane

Dia 29 de março de 2016. O Brasil empata o jogo contra o Paraguai em 2×2 em Assunción. Com o resultado, conquistava seu 9º ponto, ficando em 6º lugar na classificação das Eliminatórias, o que deixaria o Brasil fora da Copa de 2018.

Dia 15 de novembro de 2016. O Brasil vence o Peru por 2×0 em Lima, chega aos 27 pontos, na liderança do torneio, e fica a 1 ponto de garantir vaga na Copa do Mundo da Rússia antecipadamente.

De mais um grande vexame no nosso futebol a uma classificação fácil. O que aconteceu para que a Seleção mudasse totalmente de patamar em oito meses?


Você, torcedor somente da Seleção, é um sujeito raro hoje em dia. Após os 7×1 da vida, está cada vez mais complicado torcer para o Brasil dentro de campo. E isso vai além da esfera esportiva, devemos dizer.

Afinal, a camisa da CBF, a famosa amarelinha 5 vezes campeã mundial, não anda bem falada ultimamente. Por conta dos escândalos de corrupção na entidade e do uso constante dos ~coxinhas~ nas suas manifestações, o símbolo de respeito do nosso futebol virou chacota. E tudo foi agravado pelo péssimo primeiro semestre da Seleção.

O Brasil foi aos EUA disputar a Copa América Centenário, e tinha um grupo com Equador, Haiti e Peru. Nem o mais pessimista acreditava na possibilidade do Brasil não ser primeiro. Não foi o que aconteceu, como sabemos. O Brasil só marcou gols contra o Haiti (numa goleada de 7×1). Empate em 0x0 contra o Equador e derrota por 1×0 contra o Peru (com um gol irregular).

Depois daquele jogo, bateu aquela deprê esportiva. E agora, será que a Seleção vai afundar mesmo? Não vamos ver o Brasil naquele frio desgramento da Rússia? Pela primeira vez fora de uma Copa?

Surpreendentemente, ela se reergueu. Passou a Alemanha, ora vejam só, no infame ranking da FIFA. Como isso aconteceu? Para tentar explicar, enumero alguns fatos importantes:

O jogo contra Peru nos EUA

Desde 1987 a Seleção não havia ficado de fora de uma fase classificatória de Copa América. E, convenhamos, com o grupo que ele pegou na Copa América Centenário, não parecia ser dessa vez.

E FOI.

Não jogou bem contra o Equador, e bateu em cachorro morto contra o Haiti. Contra o Peru, uma vitória garantiria o Brasil em primeiro do seu grupo. Uma derrota o eliminaria.

O Brasil de Dunga ficou explícito naquele jogo: muita garra, pouca técnica. Muito individualismo, pouca paciência. Foi derrotado e não mostrou reação. Além de derrubar Dunga, aquilo abriu o olho dos jogadores, da comissão técnica e da imprensa. Bem, não é o suficiente para mudar o nosso futebol como a torcida gostaria, mas uma mexida precisou ser feita.

Quando reencontrou o Peru, na casa do adversário, pelas Eliminatórias, a Seleção já estava diferente: invicta com Tite, um ataque eficiente e uma defesa segura. Até sofreu um pouco com o ataque peruano, mas venceu e convenceu.

A medalha de ouro olímpica

Mesmo que a medalha de ouro inédita para o futebol brasileiro não viesse, o Torneio Olímpico nos trouxe algo mais valioso do que a medalha: a noção de que a geração atual não é essa porcaria toda que a imprensa tanto canta.

Quando o Brasil oscilou no fim da primeira fase, Tite foi pessoalmente conversar com os jogadores. Ele já havia mostrado seu pensamento coletivo para o trabalho quando não quis treinar a Seleção nos Jogos, deixando Rogério Micale treinar o time que ele mesmo montou.

Micale não treinaria o time na Rio 2016 se Dunga tivesse permanecido. Devemos uma réplica da medalha de ouro para o autor do gol da vitória do Peru naquele jogo da Copa América…

Do elenco campeão, o goleiro Weverton – que substituiu Fernando Prass – e, especialmente, Gabriel Jesus, conquistaram vaga na Seleção principal. Quem já havia sido chamado também lavou a alma no Rio 2016, como Marquinhos e Neymar.

Neymar sem capitanear

Menino Neymar, aliás, mostrou a maturidade que cobravam dele com a braçadeira de capitão. E só fez isso justamente quando largou mão de ser o capitão.

É óbvio que ele é o melhor jogador do país, mas em campo ainda precisa manter a cabeça no lugar.

Muito caçado em campo pela sua habilidade fora de série e poder de decisão, ele ainda dá seus perdidos (como deixar de ir à Venezuela por causa de mais uma suspensão por cartão), mas mostra personalidade sem precisar ser o capitão. Claro, ainda não está ideal – vide o descontrole dele num jogo da Champions após ter sido indiciado pelo MP espanhol por sonegação de impostos.

Sobre o posto de capitão, Tite resolveu adotar uma estratégia dos tempos de Corinthians: rodízio. Em cada jogo, um jogador diferente veste a braçadeira. Se pode parecer indecisão, na verdade é um recado do treinador que existem vários líderes em campo, e que a braçadeira é mera formalidade.

Interferência da CBF

Claro que nada é perfeito. A CBF ainda dá seus pitacos sobre convocações – e deve estar aliviada pelo desempenho da Seleção, pois isso desvia as atenções do caso de corrupção da FIFA, que o medroso presidente da CBF – Marco Polo Del Nero – está envolvido.

No entanto, graças a Tite e ao seu coordenador técnico Edu Gaspar, que deixou claro nas condições de treinar a Seleção que não queria interferência no seu trabalho, deu uma aliviada no clima das concentrações. Sim, não funciona 100%, mas quando o jogador só precisa se preocupar com o que acontece EM CAMPO, o trabalho flui melhor.

Seu Adenor

Quem fala que treinador não melhora/ou piora time realmente não conhece futebol. Apesar dos jogadores não falarem abertamente (exceto o Daniel Alves), é notória a mudança de atitude dos jogadores com Dunga e com Tite. Vide a conversa-bronca-elogio dele com a disputa de titularidade entre William e Philipe Coutinho.

O treinador é muito mais experiente em clubes do que Dunga. Se destacou no Caxias e no Grêmio, mas suas principais conquistas foram com o Corinthians – campeão brasileiro, da Libertadores e Mundial.

Tite, assim como Dunga, também foi jogador. Zagueirão cabeçudo no Caxias, não teve tanto sucesso quanto o camisa 5 tetracampeão mundial mas, ao contrário do anão, se preparou para assumir o comando da amarelinha. Parou um ano na sua carreira de técnico para estudar. Viajou e acompanhou o trabalho de muitos treinadores de renome. Voltou ao Corinthians e foi novamente campeão brasileiro.

Agora, imagine um profissional muito competente na redação da Globo, mas sempre atrás das câmeras. Na sua primeira aparição à frente delas, toma o lugar do William Bonner no Jornal Nacional. Foi exatamente o que aconteceu com Dunga. Treinou apenas o Internacional, e por pouco tempo, logo após ser eliminado da Copa da África do Sul em 2010, a sua real primeira experiência.

Quando imaginamos a Seleção, queremos ver os melhores. E isso inclusive no banco. E, até agora, temos isso com Tite.

Essa mudança de 180º (por favor, mudança de 360º foi a que tivemos com o Dunga) vai trazer o hexa na Rússia? Não sabemos. O que temos certeza é que estaremos lá, ao contrário do que parecia se desenhar no início do ano.

Tite já disse que se aposenta caso seja campeão mundial em 2018. O torcedor brasileiro espera que ele aproveite bem os dois anos que ainda faltam…