[Contexto] Atletiba

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por Francisco Geovane

Para as pessoas que enxergam o copo meio cheio (como eu), um fato isolado, meio bobo e que aparece numa notinha curta no cantinho do jornal pode ser o estopim para algo maior – basta ter o combustível certo.
A anulação do clássico entre Atlético-PR e Coritiba pelo Campeonato Paranaense, que deveria ter acontecido no último dia 19 de fevereiro, é um daqueles fatos que, se bem analisado, poderia ser visto sim como o começo de uma nova realidade para o esporte brasileiro.
O jogo, numa iniciativa inédita no Brasil, seria transmitido pelo Youtube. No entanto, antes do início da partida, a Federação Paranaense de Futebol (FPF) cancelou o evento, e isso com o estádio lotado e os times já em campo. O juiz da partida relutou em iniciar o confronto, por ordem da FPF, e cancelou a partida.
A transmissão do Youtube demorou 8 minutos para informar a quem assistia pela internet o que acontecera. No estádio, o locutor oficial anuncia o cancelamento e sua motivação, por conta do contrato da FPF com a RPC (Rede Paranaense de Comunicação), afiliada da Rede Globo no estado do Paraná.
A torcida, indignada e com razão, começou a xingar a Federação e a Globo.
Exagero? Vamos aos fatos:
Todo torcedor sabe que os Campeonatos Estaduais se tornaram mais um fardo para os clubes: se não envolve nenhum clube ~grande~ não desperta atrativo – para quem vai ao estádio, para quem patrocina, para quem transmite, para quem joga…
Enquanto Corinthians, Flamengo e cia conseguem arrumar alguma graninha por conta da sua visibilidade nacional (por exemplo, na Bahia, temos mais torcedores do Flamengo do que do Vitória), os estados fora do eixo RJ-SP tentam se virar como podem. Os clubes do Nordeste emplacaram um excelente formato: a Copa do Nordeste. Encabeçada pelo Esporte Interativo, o campeonato lota estádios e distrubui boa premiação, além de divulgar os clubes para outras partes do país.
Na fila de direitos de imagem dos clubes, após os clubes do G12 – os 12 maiores clubes do país – e dos clubes nordestinos, quem vem na fila são… os clubes do Paraná. Atlético-PR e Coritiba já foram campeões brasileiros, mas nunca tiveram o mesmo destaque que os demais. E, no caso deles, as cotas de transmissão dos clubes no estadual eram, segundo os clubes, muito baixa.
Como, segundo legislação brasileira, os direitos de imagem pertencem ao clube, eles decidem o que fazer com ele. Obviamente, os clubes resolvem vender para quem paga mais e/ou dão mais visibilidade, o que leva sempre os clubes a mendigar para a Globo. Claro, o Esporte Interativo entrou na jogada para 2019, e deixou o cenários mais interessante, mas isso é outra história.
O fato é que, após recusar a oferta da RPC por ser muito baixa, Atlético-PR e Coritiba decidiram vender os direitos para o Youtube três dias antes do evento. Isso pode ser novidade no país, mas não é lá. Nos EUA, por exemplo, jogos da NBA já chegaram a ser transmitidos no Youtube, e a NFL disponibiliza os jogos de quinta-feira também no Twitter.
O Atletiba seria o primeiro jogo de futebol brasileiro transmitido no Youtube. Ou seja, teria alcance mundial para qualquer um que quisesse asistir, sem assinar qualquer tipo de pacote adicional. Não seria o primeiro via streaming, pois algumas federações disponibilizam jogos (em especial das suas Séries B e Copas Estaduais), mas nunca um jogo desse apelo, um clássico, que renderia rios de dinheiro para a Federação, enquanto os clubes passariam o chapéu.
A decisão da FPF caiu muito mal na imprensa não-global. O clube tem direito de transmitir seus jogos onde bem entender mas, como o jogo é disputado por DUAS equipes, pelo menos essas duas devem assinar com, digamos, a mesma “plataforma”, como foi o caso.
A Globo, claro, disse que não tem nada com isso, mas é claro que se a moda pega ela perde o estribo firme que tem com os clubes.
Um clássico entre os dois maiores clubes do Paraná poderia mudar a forma como o futebol brasileiro é visto? Provavelmente nesse caso, não deve dar em nada, infelizmente. No entanto, isso abre a discussão aos clubes, que podem se unir para desbancar esse monopólio da CBF/Federações/Globo. Afinal, essas entidades existem por causa do futebol, e não o contrário.
Quem sabe esse seja um 7×2? Eu enxergo o copo meio cheio. Me deixa!