por Ronaldo Silva
Olá, caros leitores! Vamos falar de aposentadoria?
Não, espera aí. Não vai se animando pra tacar uma pedras no governo, não. Apesar do governo merecer muitas toneladas no meio da fuça. Mas enfim, o tema de hoje é a “aposentadoria de malandro”. Se você não sabe do que se trata ou gostaria de relembrar, segue abaixo um trecho da letra da música do finado Bezerra da Silva:
“Isso prá mim
É aposentadoria
De malandro…
Que foi sangue ruim
A vida inteira
E depois de velho
Quer virar santo
Foi sangue ruim
A vida inteira
E depois de velho
Quer virar santo…
Esse era o cara
Que quando era novo
Fumava e bebia
Não tinha amigos
Não tinha família
Onde passava
Era só confusão
Fez falcatrua
Roubou de cego
E de aleijado
Mas hoje em dia
Entrou prá igreja
E diz que tá regenerado…”
Pois então, eu vos escrevo este singelo texto a duas semanas do Natal. Não sei quando será publicado, mas prosseguirei assim mesmo. Creio eu que muita gente está de saco cheio dessa velha história de “Natal é a época para refletir sobre o ano que está para acabar, repensar velhas atitudes, reconstruir pontes entre as pessoas” e mais algumas dezenas do velho blábláblá mais batido do que o especial de fim de ano do Roberto Carlos. Sinceramente, que se f*d@ essa história.
Por que raios uma época específica do ano é “vendida” como a ideal para reflexão? Por que a praga que semeou a discórdia e sacaneou pessoas o ano inteiro, se acha no direito de posar de pessoa arrependida e ainda por cima espalhar aos quatro ventos o mantra “ano novo, novo eu”, como se tentasse fazer com que as outras pessoas acreditem em algo que provavelmente nem a mesma acredita? Fraternidade o cacete. Vá fraternizar com o tinhoso.
É como se o Natal funcionasse como um ritual ou sei lá, um savegame. Você pode fazer m… o ano inteiro, mas quando chegar nessa época, você será zerado pra fazer tudo de novo – ou pior – no ano seguinte. Mas como nesta época é o espírito natalino que fala através de você, nenhuma palavra de amor e paz pode ser questionada (acho que posso até ouvir o canto dos anjos), pois é o seu coração que fala a todas as pessoas de boa vontade.
*Pausa para o dedo médio sendo mostrado.
Você acha que quem realmente repensa suas atitudes, faz um balanço geral, avalia novos rumos e tenta evoluir como ser humano, precisa mesmo de uma época específica do ano pra isso? Sério? Parece até aqueles casos das pessoas que terminam o namoro antes do carnaval, enfiam o pé na jaca durante a folia e depois reatam porque “o amor é mais forte”.
*O dedo médio continua à mostra.
É a aposentadoria de malandro: gente que se engana achando que engana todo mundo. É a fofoqueira da vizinhança que diz que está mudada depois de entrar para a igreja, mas a língua é mais forte. Sempre tem aquele veneno maroto entre uma Ave Maria e um Pai nosso. Ou o hipócrita do famoso “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Cada um de vocês deve conhecer pelo menos um exemplar da raça.
A não ser que você seja uma pessoa masoquista, não precisa esperar até o final do ano para tomar uma atitude construtiva para a sua própria vida e provavelmente das pessoas do seu convívio. A não ser que tenha algum traste em sua vida, do tipo de pessoa que não vale nem um cuspe. Aí é melhor mandar se lascar e se afastar o quanto antes com a maior distância possível.
Estas padronizações sazonais até lembram outros tipos, como a clássica “a mulher só se realiza totalmente quando vira mãe.” Ou ainda “só é macho de verdade se bebe cerveja e gosta de futebol.” É intrigante se pensarmos que a raça que produz estas pérolas é a mesma que consegue pousar sondas em cometas. Não dá pra levar isso a sério. Condicionar uma qualidade ou característica subjetiva a um tipo único de ação, muitas vezes altamente questionável como se a mesma não fosse, é um negócio no qual eu não vejo o menor sentido. Talvez o da necessidade constante de auto afirmação com a finalidade de se encaixar em algum grupo social, como se a sua vida dependesse disso. Mas deixemos isso para outro dia, outro texto e não necessariamente meu.
Às vezes eu costumo pensar que um bom objetivo, independente de socialização, é você almejar ser amanhã uma pessoa melhor do que é hoje. Como um antigo professor de meditação disse uma vez: “É um bom exercício pessoal chegar ao final do dia e se avaliar, pensando como poderia ter feito melhor algo que não fluiu bem.” Em contraste, você pode contar com o fato de quem se veste com a hipocrisia nesta época do ano, provavelmente pode até se superar negativamente no próximo. Mas aí dá pra perceber que a veste de hipocrisia nunca foi tirada. Está lá 24 horas por dia, sete dias na semana. E aí, se você não quiser mandar para aquele lugar que rima com ponte que caiu, só te restará aquela cara de paisagem do tipo: “Aham, tô fingindo que acredito.”
E mentalmente, o dedo médio está de pé, 24 horas por dia, sete dias na semana.
Ho ho dane-se.