[Contexto] Abuso

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por Ana Balderramas

Quando aquele vídeo da Jout Jout “Não tira o batom vermelho” viralizou, a internet inteira começou a falar sobre relacionamentos abusivos. Li diversos relatos de meninas que descobriram estar sofrendo ou já ter sofrido esse tipo de relação tóxica. Li também sobre alguns casos de homens que se descobriram abusivos com suas namoradas, reconheceram aquilo e juraram terem uma nova postura para com elas. Mas eu não li nenhum relato de uma abusadora, o que eu acabei descobrindo ser o meu caso.

E eu preciso fazer uma ressalva antes de prosseguir: de maneira nenhuma eu quero diminuir a gravidade do abuso do homem com a mulher, pois este é muito mais recorrente do que ao contrário. Eu tenho consciência do quanto a sociedade patriarcal estimula para que esse tipo de abuso ocorra e o quão urgente é essa situação. Eu estou apenas relatando minha experiência pessoal, falando sobre um caso isolado.

Tive um relacionamento heteronormativo e monogâmico durante 6 anos. Nos conhecemos na faculdade e de cara eu bati o olho e gamei. Mas também já apareceram os reflexos da minha baixa autoestima e falta de confiança característicos de quase todo adolescente, pois mesmo ele sendo total o meu tipo, eu achava que não tinha a M-E-N-O-R chance. Quando começamos a ficar eu tinha 18 anos. Foi praticamente meu primeiro namorado e eu era muito inexperiente e imatura, mas me achava “A” rainha da maturidade, coitada. Eu não sabia nada de nada, mas acreditava ser muito inteligente e segura no sentido emocional. Acabei descobrindo dolorosamente o quão errada eu estava.

Felizmente quando o vídeo da Jout Jout veio à tona, eu já não era mais uma namorada abusiva, mas dar nome àquilo que eu já tinha sido um dia me trouxe um monte de sensações ruins, arrependimento e aquele sentimento de que tudo podia ter sido diferente. Já tinha passado por todo um processo de transformação lento e doloroso numa época em que não se falava o quão errados são determinados comportamentos para um relacionamento. Fomos eu e ele tateando no escuro em busca da luz e durante um bom tempo batendo muito a cabeça e ralando muito os joelhos. Quem me dera tivesse vídeos e textos tão didáticos quanto hoje, pois seria mais fácil identificar os abusos e tentar resolvê-los.

Eu nunca cometi nenhum abuso físico, de maneira alguma, mas o abuso psicológico pode ser tão grave quanto. Eu percebi que namorar comigo era psicologicamente stressante e desgastante. Sabe aquela sensação de estar pisando em ovos? De que por qualquer coisa pequena o outro vai explodir? Eu não tinha maturidade nenhuma para lidar com as minhas frustrações e projetava no outro uma figura de relacionamento idealizado, que quando ele não correspondia, era o caos. Além disso, meus referenciais de relacionamento eram completamente problemáticos. E tudo isso era ruim pra mim também, não só pra ele. Eu sentia raiva, medo, insegurança, um monte de sentimentos negativos. Fiz coisas horríveis e me arrependo muito. Gostaria de ter tido um direcionamento e apoio durante o processo, mas tive que desconstruir tudo isso só com a ajuda dele. Eu espero mesmo que cada vez mais as próximas gerações consigam já ter referenciais de relacionamento mais saudáveis e cada vez mais conhecimento para evitar que tenham que passar pelo mesmo processo.